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Pensar uma obra de arte é mergulhar num enxame de complexidades. Neste artigo venho refletir como o meio, tal como Marshall Mcluhan diz, é a mensagem, analisando a performance ‘O Espelho da Origem’, apresentada por Deborah de Robertis no Museu d’Orsay em 2014.
Esta performance foi cogitada pela artista plástica Deborah Robertis em resposta à pintura de Gustav Courbet (1866). A performer toma aqui o lugar da pintura, sendo ela mesma, o meio, ou seja, aqui o meio já não é a pintura, mas sim o corpo desta artista, que ao colocar a sua vagina em frente a este quadro, permite criar mas também, reinterpretar o sentido desta mesma obra de arte. A artista diz, “O meu trabalho fala de um ‘buraco’, de um olhar ausente. Eu tomo o lugar da pintura de Gustave Courbet não porque eu acho que o mundo nasceu de uma mulher, mas precisamente para questionar esse ponto de vista na representação feminina. Não há mais nada a ser revelado na superexposição do sexo no nosso mundo contemporâneo, a não ser esse olhar. Esse olhar da modelo do pintor, de todas essas modelos que são expostas na arte, de virgens a putas. É a minha visão de um mundo onde grandes mestres são encarados de volta por elas. […] A minha abordagem lembra-nos que a história é contada nos dois sentidos, partindo de ambas as perspectivas.”.
Isto faz-me pensar no poder que o corpo tem, esse meio tão poderoso que muitas vezes é negligenciado, principalmente quando se fala no corpo da mulher. Quando a mulher decide domar as suas próprias rédeas e colocar à sua disposição aquilo que tem de mais poderoso que é o seu próprio corpo, e o utiliza como meio para a arte, para a sua própria empoderação, ainda nos dias de hoje isso é visto como algo desmerecedor de valor. Prova disso é precisamente o facto de esta artista plástica ter sido convidada a se cobrir e terem sido chamadas as autoridades para que a mesma se retirasse. No entanto, a pintura de Gustav Coubert continua intacta e no seu lugar, certo? Porque é que uma vagina pintada por um homem tem espaço num museu, mas uma mulher que apresenta a sua vagina, em crítica a essa mesma pintura, já é censurada?
No entanto, esta performance ainda me leva mais longe, ao facto de como os media, mais precisamente o computador e a internet, permitiram que eu descobrisse esta mesma performance. Esse é um dos maiores privilégios de viver nesta era da informação, porque foi através da internet que consegui ter acesso a uma das performances que mais me fez questionar como a história da arte está construída, e como o facto de alguém ter filmado esta performance e a ter colocado na internet, colocou ao dispor de todos aqueles que estavam ausentes no momento da realização desta performance, a possibilidade de no conforto das nossas casas, pensarem sobre este assunto tão importante que é a representação do corpo da mulher na arte feita pelos homens.
Bibliografia:
McLuhan M., 1967, O Meio é a Mensagem