Segundo Lev Manovich, The Language of New Media (2001), os meios digitais são estruturados por cinco pilares (isto é, princípios): a representação numérica; a modularidade, a automação, a variabilidade e a transcodificação cultural.

“In short, media becomes programmable.”, Lev Manovich.

Embora todos estes pontos sejam, de facto, características dos novos (já não tão novos) meios digitais, irei-me debruçar no princípio que achei mais interessante e talvez mais difícil de prever. Com isto dito, considero que os estudos aplicados na área dos novos média por parte de Manovich levaram o próprio a se debruçar sobre pontos que, na altura da publicação do seu livro, eram extremamente pouco falados. O princípio da representação numérica chamou-me à atenção pela atualidade do tópico – todos os meios que usamos, sejam redes sociais, sites de informação ou até mesmo aplicações nos nossos computadores ou smartphones são programáveis, ou seja, não há nada na interface dos nossos dispositivos que não sejam resultado dessa linguagem matemática, a qual chamamos de programação ou codificação.

Apesar deste pilar dos meios digitais ter várias ramificações, debruçar-me-ei numa especificidade que achei ser mais problemática: a possibilidade/realidade da representação numérica ser aplicada nas próprias pessoas, também elas usuários.

É inquestionável, o ser-humano adora avaliar tudo o que consome, da mesma forma que lhe é natural atribuir significados das coisas mais planas, até às mais abstratas. Essa realidade é nos presenteada em sites como o IMDb, ou Internet Movie Database, onde o propósito do website é, para muita gente, o de avaliar e marcar como visto os seus filmes e séries assistidas. É-nos natural associarmos um filme de 5 estrelas a um filme de pouca qualidade, e 10 estrelas a uma obra-prima, até ao ponto de filtramos aquilo que assistimos consoante a nota dada neste tipo de páginas de Internet.

Most Popular Tv Shows, IMDb (Internet Movie Database)

Embora este exemplo de representação numérica seja visto como clara (no sentido em que se apresenta de forma visível, ao contrário do software) e normal, o que seria desta avalização e das implicações morais se fosse aplicada em humanos?

Ficção / Realidade

A 21 de outubro de 2016, “Nosedive”, o episódio de estreia da terceira temporada de Black Mirror foi lançado. Este episódio é uma exata representação da questão anteriormente levanta. Trata-se de uma realidade onde tudo e todos são sujeitos a uma avaliação baseada numa rede social que, tal como uma das funções do IMDb, revela a qualidade de cada individuo, serviço etc. através de uma quantificação de 0 a 5 estrelas. Nesta sociedade, a tua avaliação altera, por completo, as atividades em que podes participar, aquilo que podes comprar e os locais que podes frequentar. Não é pouco mais do que uma analogia à “vida real” – a obsessão pelas curtidas nos posts de Instagram ou Facebook (o engajamento de uma publicação) – os números passam a revelar o nosso valor como seres humanos.

“Nosedive”, Black Mirror (2016)

Contudo, este episódio não se trata do que antes era uma mera representação de um futuro aparentemente longínquo, na verdade, a ficção tornou-se realidade. Consoante a revista Galileu, este tipo de intervenção na vida das pessoas já está a ser aplicada na China. Em um artigo chamado de “China quer implantar sistema ‘Black Mirror” de avaliação de pessoas” (2017), o país já é alvo deste tipo de processos de avaliação, ou melhor, representação numérica, tal como Lev Manovich antevia. Para além de ser extremamente perturbador, é também um ataque à própria democracia e à liberdade individual. Nenhum ser-humano deve ser sujeito a este tipo de avaliação, evidentemente, ninguém é perfeito e, portanto, não há ninguém que consiga atingir uma nota máxima neste tipo de “Pontuação de Crédito Social”, e mesmo que se seja possível ter a nota máxima, não tarda nada até a pessoa cometer uma falha que faça o seu score baixar.