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person taking picture of man wearing brown hat painting
Visitantes em um museu reproduzem tecnologicamente (fotografia digital) uma reprodução manual (pintura) de Van Gogh.

Quando Walter Benjamin escreveu uma de suas mais famosas obras “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica”, ele muito provavelmente não esperava ter seu conceito explicado em uma sala de aula virtual em meio a uma pandemia.

Em seu ensaio, Benjamin argumenta a perda da “aura” e da “autenticidade” e da “autoridade” da arte uma vez que ela passa por uma reprodução técnica. O cinema, Benjamin alega utilizando os textos de Pirandello como base, transforma o ator em um acessório, fadado ao exílio do palco e do público, ao exílio de sua “aura” como intérprete. O ator do cinema, ao contrário do ator de teatro, Benjamin afirma, menos atua e mais é. E com as imagens em movimento que se opõem ao estático da pintura, o público menos contempla, mais distrai-se.

Para muitos, “A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica” é ainda hoje muito atual. A minha visão, no entanto, é de que em muitas de suas partes – como as referidas aqui -, é tão datada quanto sempre foi.

Argumentar a perda da “aura” e da “autenticidade” em uma obra da era da reprodutibilidade em massa é risível quando percebemos que toda arte sempre foi e sempre é uma reprodução. Mesmo as belas esculturas do ritual grego que Benjamin cultua são representações, reproduções da realidade. A pintura de uma paisagem não é menos reprodutora da paisagem que uma fotografia ou um vídeo da mesma.

Trazendo esta argumentação para a aparente contestação do mundo teatral ao cinema, o teatro não se torna menos uma reprodução por estar diante de um público. A cena foi ensaiada diversas vezes, na mesma. Não obstante, é pitoresco e conveniente utilizar o juízo de valor de um dramaturgo do início do século XX – quando estes tinham especial horror ao recém-chegado cinema – para criticar a arte da cinematografia e, mais do que isto, opinar sobre o que um ator sente ou não como ator, sem nunca alguma vez o ter sido.

Com isto, afirmo que não são todos os pensamentos de Benjamin que considero inválidos. É verdadeiro, por exemplo, que as imagens em movimento do cinema nos servem muitas vezes de distração mais do que de contemplação – no entanto, se nosso objetivo de contemplar parecer prejudicado pelas imagens sem fim, a tecnologia atual nos apoia com a simples pausa de cena. E também é verdade que dos atores muitas vezes é pedido que se represente menos e mais se sinta, mas este processo de catarse esteve presente na arte muito antes da cinematografia.

Por fim, é válido recordarmo-nos que a experiência estética vai muito além de uma aura – que me pergunto se sequer algum dia existiu. O sentido da arte não se perde pela quantidade de vezes que uma obra foi reproduzida (nem de como esta foi feita). Sua existência não depende apenas da obra em si, mas também – e talvez especialmente – da existência de quem pare para contemplá-la.