Consumo de conteúdo cinematográfico por ‘streaming’ tem alterado lógicas da indústria. E será que McLuhan também consegue nos explicar esta tendência?

Já dizia o professor canadense, em meados dos anos 1960, que os meios tecnológicos atuavam como “extensões do ser humano”. Por este motivo, os media têm alta penetrabilidade na cultura, num processo ao mesmo tempo destrutivo e reconstrutivo. Assim, e com o aumento exponencial da reprodutibilidade técnica, o valor imaterial dos produtos culturais se alterou.

Anos antes das teorias mcluhianas, Walter Benjamin demonstrou como, ainda na viragem do século passado, o cinema teria alterado práticas artísticas da forma artística que remediara: o teatro. ‘Takes’ atrás de ‘takes’ – muitas vezes gravados fora da ordem narrativa e repetidos diversas vezes de ângulos diferentes – vão cosendo uma história que tem na sua essência a atuação dramática.

Estes padrões não apenas contribuem para a alteração das práticas artísticas, como também dos padrões de consumo. Se no passado ver uma peça de teatro se constitua uma experiência única, o cinema subverte esta lógica, e faz com que o momento, que é único, possa ser experienciado da mesma maneira múltiplas vezes.

Entretanto, como também explica McLuhan, a cultura humana se vai moldando em torno dos meios tecnológicos, até ao momento em que estes se cristalizam num máximo de normalização. Mas este meio não se mantém “cristalizado” para a eternidade: o processo contrário pode também ocorrer quando do advento de um “novo” medium.

Provas para este processo de naturalização não faltam, uma vez que a naturalização desemboca, quase sempre, em matéria de legislação. Pode-se falar tanto dos automóveis e a sua relação com o desenvolvimento urbanístico, como da criação de uma matriz energética e de redes de telecomunicação subsequentes ao desenvolvimento de aparelhos elétricos.

Há exemplos deste processo também nas remediações do próprio cinema. Dirigido por Martin Scorsese, “The Irishman”, filme lançado a 1 de novembro de 2019 nos cinemas, rompeu com os longos períodos de nojo entre o lançamento e o acesso domiciliar ao produto.

Foi então, pela vontade da produtora do filme, a estadunidense Netflix, que o filme passou a estar disponível ‘online’ menos de um mês após o filme ter passado pelos grandes ecrãs.O próprio diretor afirmou, em conferência de imprensa, que a Netflix configura a “maior evolução do cinema desde a implementação do som”, em meados do século XX.

Este processo coaduna com os argumentos de que (i) o meio digital tem uma natureza remediadora por excelência; e que (ii) os media alteram gradualmente os processos culturais para que corroborem com as suas lógicas de funcionamento. Entretanto, é muito improvável que o espaço do cinema perca a sua influência a alguns anos. Quiçá para os hipsters do futuro – ou como quer que se chamem nessa altura -, este processo só expanda a aura da “ação tão especial” que é ir ao cinema. Mas deixo a resposta concreta para os viajantes do tempo responderem.

Gabriel Rezende