Norman Rockwell retratava na sua obra as peripécias da vida americana em meados do século XX. Passava horas a observar as rotinas diárias do cidadão americano, transpondo isso, posteriormente, para a pintura. Apesar das situações genialmente hilariantes, o artista tinha também um lado crítico e intervencionista, tratando outros assuntos do quotidiano, nomeadamente os valores do ser humano e outras questões sociais, como a divisão de classes, raças e religiões. Esta ligação forte com a sociedade americana revela, não só uma procura pela autenticidade no seu trabalho, como também uma grande aproximação com a fotografia e a própria realidade.

Sendo a imediacia a lógica da transparência, sem evidenciar o meio, neste caso a ilustração, esta funciona como se, perante o nosso olhar, estivesse o real. A hipermediacia é o inverso, o momento em que nos é mostrada a materialidade do meio, independente da imagem. Assim, quer ao nível de representação, quer ao nível da capacidade de cativar o público, a obra de Rockwell é um exemplo peculiar e desafiante para pensar a tensão entre estes dois conceitos. 

Por um lado, esta pressupõe uma grande identificação entre o quadro e o espetador. As personagens criadas por Rockwell não se limitam a integrar momentos do dia-a-dia. Elas carregam uma expressividade própria que nos faz sentir que podíamos estar no lugar delas, que a situação em que estão inseridas, apesar de muito particular, é possível de acontecer a qualquer ser humano. Para além de exibir o seu trabalho para as pessoas, o artista consegue “incluí-las” nele. Por outro, quando racionalizamos o que temos perante os nossos olhos, percebemos que é algo criado com tintas e pincéis. O meio torna-se visível.

Playbill (1946)

É interessante pensarmos na relação entre imediacia e hipermediacia presente na obra de Norman Rockwell, uma vez que identifico a característica do real fortemente acentuada nas suas representações, quase como fotografias tiradas a alguém que não sabe que está a ser objeto de estudo. Apesar de não estar em causa um meio digital, não deixa, a meu ver, de ser relevante olharmos para este caso. Se pensarmos no que vai desde um disparo fotográfico a um quadro planeado e que depende, não só do rigor mas também da projeção imaginária de uma pessoa, transpondo no final, dentro das suas limitações de logística, a mesma eloquência de uma fotografia, percebemos que, para além da técnica, Rockwell possuía uma sensibilidade e capacidade de problematização das emoções do ser humano notáveis, fazendo dele, segundo a revista Time, na década de 1940, “provavelmente, o artista americano vivo mais amado”. 

Triple Self Portrait (1960)

Sabemos que o meio nunca poder ser apagado. No entanto, pessoalmente, acho que Rockwell o “esbate” como ninguém.  

Sofia Martins