Posted por António JM Silva

O termo “Surrealismo” foi usado pela primeira vez pelo escritor francês Guillaume Apollinaire em 1917. Mais tarde, com a divulgação da obra de Sigmund Freud sobre  interpretação dos sonhos e a  psicanálise, o artista e escritor André Breton e outros adoptaram a palavra para descrever o tipo de arte que punha em causa uma cultura que a burguesia europeia tinha assimilado e institucionalizado. Freud (1) defendia que o padrão social vigente, impedia as pessoas de auto-analisarem o inconsciente e a valorização do sonho. Por este prisma, a ideologia burguesa dominante, era um travão à criatividade humana. O Surrealismo como movimento artístico rompia com aquele domínio e com a lógica do racional. O seu  objectivo era a representação do irracional, contido no inconsciente da mente humana!. “ É inadmissível, com efeito, que esta parte considerável da atividade psíquica (o sonho)… não tenha recebido a atenção devida…porque não haveria eu de conceder ao sonho o que, por vezes, recuso à realidade?”, escreveu André Breton no “Manifesto Surrealista” de 1924 (2). A valorização do inconsciente como fonte de estímulo da criatividade artística na área da pintura, literatura, música ou outra arte criou uma corrente de autores sobejamente conhecidos pelo recurso ao onírico nas suas obras. De forma explicita, a obra Sonho Causado Pelo Voo de uma Abelha ao Redor de Uma Romã um Segundo Antes de Acordar de Salvador Dali corporiza-o.

A “Realidade Virtual” (RV) é uma tecnologia que permite simular o real com o recurso a um sistema computacional – óculos de RV por exemplo. Esta induz efeitos visuais e sonoros que permitem a imersão no ambiente simulado virtualmente. Deste modo, o interactor pode interagir, ou não, com o que vê ao seu redor e aprender uma técnica que vai ter de usar posteriormente sem ter de a experimentar em tempo real. A RV pode ser aplicada em diversos contextos, desde tratamento médico de distúrbios até às artes. A aplicação de RV à “indução” de sonhos começa a dar os seus passos. Recentemente, o Dream & Nightmare Laboratory, Center for Advanced Research in Sleep Medicine, CIUSSS-NÎM – Hôpital du Sacré-Coeur de Montréal, e outros Departamentos científicos do Canadá, publicaram um estudo (3) versando o tema do “voo no sonho”, com resultados originais. Um grupo de pessoas foi recrutado para o  referido estudo, cujo objectivo era induzir o voo nos sonhos, recorrendo a um sistema virtual personalizado. A conclusão do estudo foi de que o relato de sonhos (no decorrer de um sono normal) com componente voadora aumentou significativamente no grupo que recorreu à  RV, face a um grupo controle. Para além do aumento do “sonho com voo”, a qualidade dos mesmos, também se alterou, na sua lucidez e intensidade emocional. A descoberta de que é possível pela RV induzir novos “estados de alma”, dá substrato às “velhas” criações artísticas, e alento a que novas criações de arte baseadas em realidade aumentada e em factores cognitivos relacionados com o sonho surjam. Os sonhos são fenómenos visuais, que a mente fabrica para transformar ideias abstratas em linguagens ou formas, visíveis e realizáveis. Exactamente aquilo que os surrealistas defenderam há cem anos!  Mal sabiam eles que chegaria um momento e um tempo que confirmaria a ideia de Freud , de que “os sonhos são o caminho para o inconsciente “, e que seria uma máquina a encurtar esse caminho e possibilitar a sua imersão e expressão na realidade pictórica, sonora ou da escrita. 

Referências

1 -Sigmund Freud – A Interpretação dos Sonhos. 2009 Edição da  Relógio D’Água, julho de 2009  Tradução: Manuel Resende . isbn: 9789896410704  ‧

2 – André Breton. Manifesto Surrealista 1924 . The Marxists Internet Archive

3 – Picard-Deland, C., Pastor, M., Solomonova, E., Paquette, T., & Nielsen, T. (2020). Flying dreams stimulated by an immersive virtual reality task. Consciousness and Cognition, 83, 102958. doi:10.1016/j.concog.2020.102958