Este texto sobre a máquina de escrever poderá fazer ainda algum sentido para mim, não que me traga boas lembranças ou qualquer outro tipo de sentimento, mas simplesmente porque (ainda que por pouco tempo) a utilizei.

A caligrafia é a projecção do que escrevemos, depende de um longo e complexo processo de aprendizagem e tem sempre um traço de singularidade que a torna única, dando sempre a sensação de continuidade.

Mas a máquina de escrever surge (final séc. XIX) exactamente pela necessidade de uma escrita rápida, uma escrita que se pretendia legível e uma necessidade de uniformização de um padrão entendível por todos (que nem sempre acontece através da caligrafia). Surge com a necessidade de criar documentos padronizados, organizados e de apoio, principalmente em empresas e escritórios.

Com a escrita na máquina de escrever sentia-se precisamente o contrário. Podíamos entender a máquina de escrever como sendo uma barreira, um “corte” na escrita e até alguma banalidade na sua utilização, tornando aquela sensação de individualidade que a caligrafia impõe, completamente “apagada”.

A máquina de escrever abstraía o código da escrita e o teclado passou a ser o meio, apesar de continuar a ser comunicação escrita (isto é a remediação de um novo meio). Com a máquina de escrever foi criada uma distância entre o utilizador e a escrita, continuando assim até agora, ainda que hoje a utilização seja o processador de texto.

Houve sem dúvida uma mudança na noção de escrita, passou a ser uma escrita de “fora para dentro”, quase sem sentimento (como se fossemos autómatos), enquanto a caligrafia ainda hoje nos traz individualidade e nos torna únicos e diferenciados.

Ana Mónica Martins