Navegar pela internet é como passear por entre cadáveres. Podemos depararmo-nos com uma discussão entre amigos de longa data que já não mantém qualquer tipo de relação, ler um post num blogue inativo há anos ou colocar no nosso ouvido a voz de um cantor há muito morto. Neste mundo virtual, e para aqueles que nele casualmente encontram estes vestígios de vida, estas memórias são presentes, intactas e reais.

Evidentemente, a internet não é o único média que faz isto. Aliás, de uma forma ou outra todos os médias acabam por prolongar no tempo a existência de uma pessoa. Mas a internet é única na sua instantaneidade. Processar uma ideia para um post demora apenas alguns segundos, enquanto, por exemplo, a escrita de um livro implica mais decisões e logo mais espaço para retificações. Há pouco ruído entre o que se “diz” e o que se pensa. O que resulta numa exposição mais autêntica, casual e menos filtrada. Por essa razão, os traços deixados por aqueles que já não estão cá tornam-se mais arrepiantes porque refletem a pessoa de uma forma mais nítida. mais humana, mais real.

Por mais perturbadora que seja a morte de alguém, a máquina, se não for programada para tal, não se dá conta da morte do indivíduo e continua a funcionar da mesma forma robotizada e mecânica usual. Notifica através das redes sociais do aniversário daqueles que já não cá estão, àqueles que ainda estão de luto. Exibe publicações feitas por usuários momentos antes do inesperado. E cristaliza no tempo imagens de locais antes da destruição.

Quando se queima livros, por exemplo, o média é alterado e danificado sem que haja reparos possíveis. Mas o mesmo não acontece com a internet. A tentativa de apagar algo neste média sem deixar qualquer traço da sua existência é exatamente isso: uma mera tentativa. Nada, ou quase nada pode ser completamente apagado da internet.

Estima-se, aliás, que no futuro a internet será constituída maioritariamente por informação deixada por pessoas mortas, tornando-a num autêntico cemitério digital. A única maneira de fugir a esta realidade seria se a internet se torna-se obsoleta e migrasse-mos para outra ferramenta, para outro média. Mas por enquanto continuaremos a deixar para trás informação perdida neste mar de corpos.

Bibliografia

Death and the Internet (2022, novembro 3). In Wikipédia. https://en.wikipedia.org/wiki/Death_and_the_Internet

Ward, E. (2021, 1 julho) Death and the internet. https://medium.com/copenhagen-institute-for-futures-studies/death-and-the-internet-d247f749ec7c

Edwards, K. (2019, junho 7) Death, Virtual Grief and Your Digital Footprint. https://whenyoudie.org/death-virtual-grief-and-your-digital-footprint%EF%BB%BF/