Álvaro Campos, um dos pseudônimos de Fernanda pessoa, tem um poema que diz que as cartas de amor, se há amor, são ridículas. O poema ainda se estende dizendo que o próprio autor já tinha escrito esse tipo de carta e que na verdade os ridículos eram os homens que não o faziam. Cabe perguntar como, hoje em dia, no meio digital, essas declarações de amor são vistas e adaptadas à nossa sociedade. 

A redução do envio de cartas é atestada pelos Correios brasileiros. Adriana Manfredini, da Diretoria Regional dos Correios em São Paulo, diz que o volume de correspondências entre pessoas físicas diminuiu cerca de 70%. A maioria delas, atualmente, são boletos bancários, contas telefônicas e de luz, revistas e propagandas enviadas por mala direta. Se o envio de cartas é reduzido, menor ainda deverá ser o número daquelas que correspondem a cartas de amor

De agosto de 1953 a maio de 1954, cartas de amor apareceram no quadro de avisos do Departamento de Informática da Universidade de Manchester com a assinatura “MUC”, sigla que significava “Manchester University Computer”. Christopher Strachey, programador, usou o computador com o gerador aleatório embutido do Ferranti Mark I para, a partir da base de dados de palavras, gerar textos em forma de cartas de amor. As cartas geradas podiam ser disponibilizadas ao público em arquivo digital, ou seja, podemos ter cartas de amor sem nem ao menos escrevê-las!

Nesse mesmo viés, as cartas de amor foram retratadas em filmes de ficção, como é o caso de Her (2013) do diretor Spike Jonze. O personagem principal, Theodore, trabalha como escritor em um escritório chamado cartasescritasamão.com e é responsável por escrever cartas sentimentais em nome de outras pessoas que as solicitam online. O filme nos mostra que Theodore passa anos de sua vida escrevendo sentimentos falsos que pessoas dedicam umas as outras, acentuando a fragilidade e banalidade das palavras dedicadas por alguém que não as escreveu.

Dessa forma, tanto na realidade como na ficção está projetada a redução do envio de cartas e a visão da possibilidade de se obter cartas de amor que não tenham sido escritas por aqueles que se intitulam seus autores e sim por terceiros ou por uma base de dados. Logo, penso que as cartas de amor de hoje em dia seriam, para Álvaro Campos, nada ridículas.