A corrente do Experimentalismo, trouxe a todas a artes uma corrente de questionamento, não só sobre a própria arte, mas sobre os seus meios. Este questionamento passou muito por pôr em causa a definição e os limites da arte, mas também sobre o papel do espectador na construção de significados de uma obra, e na música não foi diferente.

Na música, a mediação que é feita entre o ouvinte e a obra, é marcadamente diferente daquela que é feita nas outras artes. Na música, ao contrário das artes plásticas, para o ouvinte ter acesso à obra, é necessário haver um intermediário que interprete a obra que está escrita na partitura, aqui esse intermediário não é apenas o, ou os instrumentos para os quais a obra foi escrita, é necessário que alguém os toque. Na pintura, não há um intermediário entre o espectador e a obra, o espectador tem contacto direto com o material artístico produzido pelo autor. Este assunto, no mundo musical levanta um leque de questões sobre se o que ouvimos é realmente a obra original, ou se será sempre uma interpretação de um original ao qual nunca teremos verdadeiro acesso.

John Cage é o artista musical, por excelência, no Experimentalismo. Cage desenvolve, e leva a cabo estas questões do Experimentalismo na música, por isso, vale a pena analisar a questão da mediação quando falamos de Cage, especialmente quando falamos da obra 4’33’’. Como referi, a mediação musical é feita através de um músico que interpreta a obra. Na obra 4’33’’, a obra é o silêncio (os músicos não tocam), mas nunca o silêncio absoluto. Aqui se coloca a grande questão: “Como se interpreta o silêncio?”, como é que fazemos a mediação do nada? Para além da questão da primazia dos sons do quotidiano que está marcadamente presente na obra de Cage, entra aqui um outro conceito, de Marshall McLuhan: “O meio é a mensagem”.

Ora, para Cage, um seguidor da filosofia Zen, o silêncio era uma ferramenta que o permitia, em termos musicais, chegar ao espectador, não só, com o intuito de criar um significado universal, no sentido em que, se não houver um significado à partida qualquer pessoa pode criar o seu; atingindo simultaneamente o objetivo de provocar um questionamento sobre o que pode ser música. Assim, é através do silêncio que, no sentido mais restrito do termo, não “diz” nada, que Cage faz com que a sua mensagem se funda, na totalidade, com o meio através do qual é expressa.

Assim, é através desta capacidade autorreflexiva e ainda volátil do silêncio e da significação que pode produzir (em termos musicais), que o silêncio assume, não só o papel de meio, para transmitir uma mensagem, mas o papel da própria mensagem que provoca significados múltiplos, e por isso, comporta ainda, um significado universal, não estabelecido à partida.

“I have nothing to say and I’m saying it.” – John Cage, “Lecture on Nothing” (1959)

Partitura com os três andamentos da obra. Tacet – significa silêncio, indica que um instrumento não toca (neste caso todos os instrumentistas teriam esta partitura).

Bibliografia:

  • “Understanding Media: The Extensions of Man” de Marshall McLuhan.