Quando pensamos nos média, logo vem a mente os meios de comunicação tecnológicos, como a TV, o Rádio e todos aqueles ligados ao desenvolvimento do computador e da internet. Porém, este grupo pode ser muito mais amplo e englobar outros formatos de comunicação inter-humanas. Um deles, de certo inusitado, é a culinária.

De entrada, é claro, precisamos primeiro entender o que são os média. Segundo a linguista Margarita Correia, o termo deriva do plural da palavra latina medium, que, por sua vez, tem o sentido de meio, intermédio, o que liga dois pontos. Portanto, os média nada mais são, em termos linguísticos, do que formas de um emissor transmitir uma mensagem para um destinatário. Com o desenvolvimento da comunicação, outras formas de transmissões mais complexas foram surgindo para além da verbal, visual e sonora, e assim, foi possível a exploração de outros sentidos do corpo.

Paralelo a isto, com o desenvolvimento da agricultura e da domesticação de animais, a alimentação deixou de ser apenas uma necessidade básica da sobrevivência e pudemos explorar combinações, texturas, temperaturas e outras várias nuanças que tornaram o cozer, uma arte. Como tal, passou a integrar o âmbito das manifestações culturas e, através dos pratos, contamos nossas histórias. Portanto, a culinária tornou-se um intermédio de narrativas a partir de um emissor (cozinheiro ou criador de um prato, membro de um grupo específico) para um destinatário (quem come).

Um bom exemplo desta função narrativa da culinária é o Sêder, ceia judaica realizada durante a Pessach. Nela, cada alimento simboliza parte da história da fuga hebraica do Egito. O pão sem fermento, matsá, retoma a pressa dos hebreus de fugirem do local em que eram escravos, após autorização do faraó. A água salgada é lembrança das lágrimas e do suor derramados durante a escravidão. O beitzá, ovo cozido, é a esperança pela recuperação do Templo de Salomão. Comer esta refeição é conhecer e reviver a história do povo judeu, é tomar conhecimento de uma narrativa através do paladar.

Podemos citar, também, os deliciosos pastéis de nata, familiares ao gosto português. A origem remonta a necessidade do monges do Mosteiro dos Jerônimos em criar uma forma de renda para manter a instituição, em meados do séc XIX. A fama do doce foi tamanha que em todos os cantos do país surgiram cópias do pastel de Belém e hoje, em qualquer cafeteria é servida a sobremesa. Esta é a emissora de uma parte da história lusitana. Os monges a criaram em um período de avanço das ideias liberais no país e, consequentemente, da diminuição da ajuda económica pela sociedade para a Igreja. A expansão de versões do doce foi movida pelo turismo, que ainda hoje é responsável por grande parte do PIB português. Todas essas informações estão contidas ali, naquele pequeno doce.

Portanto, a culinária pode ser considerada parte integrante dos média, pois é um meio de se comunicar narrativas de um povo e de sua cultura, através do paladar. Então, da próxima vez que comeres um prato ou alimento, pergunte-se que narrativa estes estão a te contar e, sem dúvida, terás descobertas saborosas.