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Em 1995, Amy Heckerling e seu filme Clueless ressignificaram. Não apenas a moda, os costumes dos jovens americanos e a cinematografia de filmes adolescentes, mas também – e talvez principalmente – a arte de adaptação cinematográfica e como ela discutia a si mesma. 

Antes de Clueless, e ainda no ano de seu lançamento, a arte de remediação e adaptação de livros para o audiovisual se dava sobretudo em sua cópia “fiel” dos fatores externos à narrativa e sensibilidade dos personagens. O que quero dizer com isto? As adaptações se louvavam pela fiabilidade aos cenários e aos vestuários dos tempos da sua obra originadora, muitas vezes perdendo o contexto e o significado da obra em meio às saias bufantes e palácios estupendos. 

Com Amy Heckerling e Clueless, a moeda vira. A adaptação de Emma insere a essência da história de convivências entre classes sociais de Jane Austen no universo estratificado do ensino médio americano. Mais do que isso, Heckerling traduz as técnicas narrativas tão características de Austen para o cinema – nomeadamente, a ironia. Genilda Azerêdo explica em From Emma to Clueless como a ironia utilizada por Austen para descrever o mundo de sua época é corroborada e utilizada de pretexto por Heckerling para ela mesma observar ironicamente a cultura e tempo em que o filme é lançado.

Não obstante, a diretora insere em Clueless o debate sobre o valor das obras adaptativas. Os momentos em que isto ocorre são diversos, valendo citar especialmente a sequência do minuto 43 do filme. Ali, a estudante universitária Heather afirma citar Hamlet ao dizer “To thine own self be true”, sendo posteriormente corrigida pela protagonista Cher, “I remember Mel Gibson accurately, and he didn’t say that. That Polonius guy did.”

Com esta cena, Heckerling argumenta a atualização dos livros pelos filmes e o desinteresse pela autoria presente nestes processos de atualização. Cher não reconhece a frase pela obra original, mas pela adaptação de 1990. Amy Heckerling alude à transformação massificadora das obras e ao valor que as adaptações têm, tanto quanto a obra original.

Em outro momento, a diretora novamente se refere a esta briga entre valores quando um de seus personagens, um preppy boy artista, levanta o antiquado argumento canônico contra as atualizações. “This is older, see? Transitional. A very important piece.”

Com Clueless, Amy Heckerling não apenas faz um trabalho primoroso em dar vida à Austen pós-Austen, como refuta com sucesso a invalidação das remediações – e, com isso, das novas tecnologias.