De acordo com Lev Manovich, na sua obra Database as Symbolic Form, antigamente a narrativa “seguia uma lógica aristotélica, com princípio, meio e fim” (Manovich 2008). O surgimento do computador ergueu uma nova realidade e modo de viver, em que a base de dados passou a ser o novo modelo. Este fenómeno alterou significativamente a forma como o ser humano cria narrativas e criou uma relação arbitrária e indireta entre a base de dados e a narrativa.

Representação de base de dados

Por um lado, a base de dados oferece uma construção do mundo como uma lista de itens não ordenados. Enquanto a narrativa cria uma trajetória de causa-efeito entre acontecimentos. O facto de o meio digital ser organizado segundo a forma de base de dados, provoca que o indivíduo tenha liberdade de criar ou não narrativas segundo os itens que encontra no digital.

As redes sociais são o exemplo máximo da nova relação entre a base de dados e a narrativa. O simples ato de fazer um “scrolldown” é um modelo evidente da experiência da base de dados, já que o indivíduo está a passar rapidamente por listas de itens. Esta organização permite que cada indivíduo tenha acesso a informação diferenciada e crie as suas próprias ilações, pois, apesar de existir a tendência para uma captação infinita e não consciente de informação, é possível parar, ler com mais calma ou ver com mais atenção uma fotografia, relacionar com outra informação que encontrámos e, dessa forma, produzir narrativas.  

Ato de fazer “scrolldown”.

Contudo, “a diversidade de possibilidades identificatórias” (Ew et al. 2018) pode ser conflituosa. Um estudo a seis adolescentes sobre as suas movimentações no Facebook e a construção de narrativas concluiu que existe uma representação da perceção dos “outros”, ou seja, “nessas mídias, os indivíduos podem buscar elementos de identificação e diferenciação em relação aos outros (…), isso é feito num processo fragmentado e parcial”. Para além disso, o estudo chegou à conclusão que os interatores das redes sociais têm noção que as suas publicações vão produzir ilações nos seus seguidores, isto é, “as narrativas atentaram para aspetos como as perceções estratégicas”, que se baseiam, principalmente, no cuidado da autoimagem e, simultaneamente, na evitação de conflitos para não ofender ninguém com as suas publicações.

Isto prova como a criação de narrativas nas redes sociais existe, mas, muitas vezes, é perigosa. Como os interatores não recebem toda a informação de uma pessoa, apenas visualizam os dados que chegam até eles ou, no máximo, tudo o que a pessoa publica, que também passa por uma edição e escolhas pessoais, esta produção de narrativas fragmentada provoca comparações e ansiedade. Por um lado, quem publica sofre a pressão de editar as suas publicações pois tem consciência que vai criar reações dos outros. E por outro lado, esses outros vão desenvolver narrativas com apenas os dados que consumiram. Este processo provocou o que existe hoje, que é a divulgação de uma ideia de perfeição inatingível.

Vídeo que demonstra como a criação de narrativas a partir de dados fragmentados cria baixa autoestima e problemas de saúde mental.

Em suma, as redes sociais, com o desenvolvimento da cultura de base de dados, detêm uma imensidão de informação que provoca uma absorção inconsciente de itens aleatórios. Contudo, a possibilidade de gerar narrativas, algo inato ao ser humano, revela-se constante, já que os próprios interatores das redes socias têm consciência que as suas publicações serão avaliadas por outros que criarão narrativas sobre si.

Bibliografia:

Ew, Raquel de Andrade Souza, Cristiano Hamann, Gustavo Affonso Gomes, Adolfo Pizzinato, e Kátia Bones Rocha. 2018. «MÍDIAS SOCIAIS: CONSTRUÇÃO DE NARRATIVAS DE SI DE ADOLESCENTES». Psicologia & Sociedade 30(0). doi: 10.1590/1807-0310/2018v30169654.

Manovich, Lev. 2008. «Database as Symbolic Form».