A fotografia é uma forma de expressão visual que advém do desenvolvimento tecnológico a partir da revolução industrial. Nasce no século XIX, apesar de receber toda a herança da história das imagens, nomeadamente da escultura e principalmente da pintura, do ponto de vista compositivo e do enquadramento. A fotografia adquire uma qualidade espectral e fantasmagórica que se justifica pela realidade e credibilidade que nenhuma outra área consegue oferecer de forma tão presente. Quando olhamos para uma fotografia o que vemos é igual à realidade, uma cópia do real.

Gregory Crewdson é um fotógrafo e artista americano dos séculos XX e XXI. Algo característico no seu trabalho é o tratamento de situações comuns e banais, com a agravante de dar sempre um sentido dramático às suas criações. Com uma obra muitíssimo cinemática a vários níveis, particularmente pelo tipo de composição e pela sua narratividade erudita, Crewdson trabalha mesmo com atores de cinema. 

É também muito influenciado pela a pintura, algo visível, nomeadamente, através de uma das suas obras, Untitled (Ophelia) (2000-2001), em que a mulher presente na imagem se encontra sobre a água, remetendo precisamente para a pintura de John Everett Millais, Ophelia (1851-1852). A sua obra é, portanto, uma obra totalmente decidida na produção, em que o tratamento digital da fotografia é quase escasso, sendo tudo criado e resolvido no cenário, que é absolutamente construído e arquitetado. Muitas das suas imagens figuram os nossos piores pesadelos, adquirindo uma narrativa psicanalítica, e por essa razão é que ocorrem sempre no ambiente de luz ofusca, ao fim do dia ou durante a noite, precisamente a hora e o espaço do sonho e da fantasia, como se verifica nesta obra. 

Ophelia, por John Everett Millais
Ophelia, por Gregory Crewdson

É interessante pensarmos este exemplo da pintura e da fotografia de Ophelia no seu sentido de remediação. Sendo esta o processo de representar um meio noutro meio, neste caso temos um momento da história da pintura a ser reavivado na história da fotografia através de uma apropriação, ou seja, uma imagem decalcada de outra. Nunca nos devemos esquecer que a fotografia é uma apropriação do real e talvez isso justifique a vontade sensória que há sobre ela, mais do que sobre outras artes. Neste tipo de remediação são incorporados meios anteriores e é acentuada a diferença nítida entre a pintura e a fotografia, não só pelas diferentes texturas e características de imagem, mas também pelas diferentes épocas que cada uma das representações trata. 

Com esta obra, podemos concluir que a arte digital, ao revisitar a pintura de outros séculos, funciona como uma forma de perpetuar mestres como Millais, que, apesar de nunca terem perdido a sua notoriedade, dão asas a uma nova abordagem da arte com o potencial de atingir novos públicos, ao mesmo tempo que “preserva inovando”.  

Sofia Martins