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Chegar a casa, pegar no comando, ligar a televisão e assistir a um filme. Parece um hábito comum e quotidiano, mas nem sempre decorreu desta forma. A evolução da imagem sonora, realista e em movimento que hoje vemos em qualquer dispositivo, dependeu de experiências e trabalhos científicos que modificaram gradualmente o panorama anterior.

Remetamo-nos ao século XIX, com a invenção do fonógrafo de Thomas Edison. Com este aparelho surge a oportunidade de inscrever a voz humana, juntamente com a sua entoação e ritmo particulares num dispositivo, que a apreendia e transmitia. Na mesma época, recebemos o contributo de Eadward Muybridge que fotografou sucessivamente animais – em Animal Locomotion – e organizou uma sequência de fotografias de modo a demonstrar o movimento contínuo destes animais. Um dos exemplos mais ilustres deste experimento foi o galopar do cavalo, que veio descredibilizar a pintura de Géricault “Corrida de Cavalos”, de 1821, que se tratava supostamente da captação do movimento real do cavalo; Neste exemplo é notória a capacidade que a fotografia tem de demonstrar com maior fidelidade a realidade e, por isso, a pintura perde algum do seu território neste campo e assistimos à sua remediação na área da fotografia. Começamos a entrever onde estes dois contributos viriam a culminar décadas mais tarde: na imagem em movimento e na sua sincronização (conseguida em 1920) com o som gravado, isto é, no cinema tal como o conhecemos hoje.

Théodor Géricault, Derby Epsom, 1821
Eadweard Muybridge, Animal Locomotion

Podemos perceber, portanto, que os media se apropriam de formas convencionais de arte, dando origem a novos mecanismos, técnicas e meios: a fotografia dá origem à imagem em movimento e esta, por sua vez, com a montagem dos vários fotogramas, dá origem ao cinema, possibilitado pela criação do cinematógrafo. Assim, percebemos que a Era Digital, tal como a conhecemos hoje, dependeu de uma história complexa, com realizações e estudos concretos no passado. Se hoje temos acesso a um vídeo no nosso smartphone de um momento que não presenciámos, isso teve uma íntima relação com toda a história anterior.

É neste sentido que se torna importante realçar a importância da arqueologia dos media, como forma de entendimento do que estes são e representam e da nossa relação com eles. As formas artísticas mediadas que herdamos hoje partiram sempre de um lastro de influências e evoluções, que no fundo é como ilustra a célebre frase de Picasso “o artista opera na base de uma cultura sedimentada e difusa, que a sua busca contribui para alargar, aprofundar ou mudar”.