Posted by António JM Silva

A arte manual, desde a estatuária à pintura, da música à literatura foi sempre objeto de reprodução e imitação também manual. Com o advento de processos fotoquímicos e mecânicos de manufatura e reprodução, não somente a arte ( e as culturas !) mudou de suporte logístico como também se democratizou, perdendo a “aura” enquanto objetos únicos e individualizados. Ficou “acessível às massas”, como escreveu W. Benjamim. Para este, seria sobretudo no cinema que a aura mais de dissolveria, em virtude da necessária reprodução do original filmado e, portanto, pela perda do estatuto de raridade, massificando-se. Um outro aspecto prende-se com a relação entre o ator ( e o autor) e o público no cinema. Aqui, há uma relação mediada pela câmara de filmar, pelo ambiente sonoro e fotográfico, com o público, enquanto no teatro a relação entre a personagem representada e o público é feita pelo ator em “carne e osso” ( M Portela-apontamentos de aula). A digitalização e computorização do quotidiano, desde a arte ao trabalho, o acesso “online” ao mundo global da cultura, a partir de um “smartphone” que cabe na palma de uma mão, colocou na ordem do dia um outro tipo de questões, relativamente ao cinema. Quando abordamos a autenticidade do cinema analógico, contrapondo-o ao digital, pode-se fazê-lo pelo menos de dois modos: assumir que uma digitalização dos filmes analógicos não consegue nunca o “aqui e agora do original” ( W.Benjamim); mas, por outro lado, a digitalização daquele cinema é indispensável para que o acesso às imagens por toda a gente seja possível. Faltará sempre toda a informação que um filme transporta com ele, com certeza! Será pois, um ficheiro incompleto!   Já o cinema digital ab initio, ao introduzir na sua concretização uma panóplia tecnológica em constante evolução, e ter um impacto social incomensurável, poderá ter vários “aqui e agora”. A disponibilidade de actuais e futuros dispositivos de média, desde o “tablet” às mesas digitais, do “e-book” ao futuro computador quântico, irá impulsionando esta revolução permanente. A interactividade e o recurso a “software” realizável por cada um de nós, conseguirá numa escala universal, e instantânea, transformar o cinema ainda mais, num ficheiro vivo e aberto ao mundo. A sua morte não está escrita nas estrelas! E, claramente, de acordo com o princípio da variabilidade (Manovich), a criação de uma multitude de filmes por manipulação algorítmica está na ordem do dia. O mesmo poderá ser dito a respeito de todas as artes. A fotografia, a mais democrática de todas as artes, transformada em milhões de pixels por um clic no meu smartphone, é a montra do que o cinema será! Basta incluí-la no programa mais básico do mesmo, e editar: desde eliminar “olhos vermelhos”, filtrar foco e brilho, colorir ou ver a preto-e-branco, ampliar ou reduzir, cortar ou acrescentar, um sem número de possibilidades existem. Imagine-se, fazê-lo com um programa dedicado e, por que não, nosso!

Bibliografia

1- Lev Manovich The Language of New Media,  Cambridge, MA: MIT Press, 2001.

2 -Lev Manovich, “What is Digital Cinema?”, in Post-Cinema: Theorizing 21st Century Film, ed. by Shane Denson and Julia Leydas (Falmer: REFRAME Books, 20 )- download Google

3- Benjamin, Walter. A Obra de Arte na Época da sua Possibilidade de Reprodução Técnica ‘, tradução de João Barrento, Lisboa, Assírio & Alvim (PDF – A&M)