Gesamtkunstwerk. É esta a palavra usada por Wagner para designar a “obra de arte total”. Talvez um conceito semelhante, nos nossos dias, seja o de “multimédia”. E para explicar porquê, basta olhar para os cinco conceitos propostos por Ken Jordan, em Defining Multimedia. Integração. Interactividade. Hipermédia. Imersão. Narratividade.

A Gesamtkunstwerk é feita a partir da integração de várias artes, como a música, o teatro ou a dança. E, da mesma forma, a multimédia é composta por vários meios de informação, como o texto, o vídeo ou o som. Segundo Wagner, a construção da Gesamtkunstwerk implica uma comunidade de artistas, que se unem em torno da mesma criação, assumindo, cada um deles, a sua autoria. Esta interactividade proposta por ele é semelhante à da dos novos media, em particular da Internet, onde cada utilizador é autor de parte deste mundo. O próprio facto de eu estar a escrever este texto comprova isso mesmo: eu interajo com este meio, e todos nós, juntos, construimos a world wide web. E também é claro que não existe Gesamtkunstwerk nem multimédia sem hipermédia. Embora as artes e os meios que as compõem sejam diferentes, sem uma conexão, sem uma ligação entre si, seria impossivel assumirem uma forma definida. Esta forma torna-se tão convincente, o seu efeito de imersão tão grande, que chegamos a acreditar na realidade da actuação teatral que se desenrola à nossa frente, ou que a nossa direcção se foca única e exclusivamente num vídeo que encontramos na internet. E não nos podemos esquecer que, desde que todos estes elementos se verifiquem, a obra de arte ou o meio em questão apresenta uma narratividade que se torna evidente à medida que a obra se desenrola, ou à medida que desbravamos os caminhos da internet, cada um apresentando-nos uma pista de uma história que é contada de forma não-linear, uma história que é construída por todos nós.

Se Wagner viajasse no tempo, será que ele veria neste mundo da multimédia o conceito que ele idealizou finalmente realizado? Será que somos nós, artistas da internet, somos os artistas do futuro que profetizou? Será a internet a Gesamtkunstwerk? Ou serão os videojogos? Em particular certos videojogos, que tornam possíveis todos estes conceitos?

Como o Little Big Planet, por exemplo, um jogo para a Playstation 3 em que é possível qualquer coisa que o utilizador queira criar. Não só o cenário, mas também objectos, níveis, cada um com as suas regras e objectivos, música, filmes, personagens…É um jogo com ferramentas de criação tão complexas e extensas, que praticamente tudo é possível, e cada vez que uma pessoa volta a jogar descobre algo de novo. Para simplificar, é um jogo onde se pode fazer níveis para esse jogo, podendo manipular todos os elementos que constituem um nível de um videojogo. Mais: é um jogo que dá para fazer jogos! E o facto de ser um jogo online, em que cada um pode ver o que o resto da comunidade andou a construir, numa grande teia hipermediática de níveis e jogos, ou pode mesmo unir-se a outra pessoa para criar algo em conjunto, parece concretizar os conceitos de Wagner sobre a Gesamtkunstwerk, ou os de Ken Jordan sobre a multimédia. Será Little Big Planet a derradeira obra multimédia de arte total?

– Fernando Gil